segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Só os loucos sabem

Era fim de tarde. A correspondência devia ser aberta. Um cartão colorido chamava a atenção entre os envelopes brancos e amarelados espalhados pela mesa. Para não contrariar as leis da psicologia e as estáticas comprovadas, o primeiro a ser lido foi o tal chamativo cartão. Era abstrato, alguns riscos que pareciam formar uma rosa vermelha se misturavam em todas as direções com o marrom e bege do desenho que supostamente, retratava o pé de um homem. Dentro, uma mensagem: "Perdão é o perfume que a rosa deixa no calcanhar de quem a esmaga." autor da mensagem e do desenho? doente mental do hospital da cidade.

Naqueles momentos de raiva, de feridas abertas, de decepção, naqueles momentos difíceis de descer pela garganta e tão fáceis de serem avaliados, nestes momentos que fazem-nos pensar que os dias são menos gloriosos do que na verdade sempre foram, são e serão, nestas horas que você percebe que a remediação para todas as feridas abertas não dependia de você.Nestas desgastantes, porém, enriquecedoras horas que a vida te prova que ninguém deve esperar quer seja o reconhecimento, a consideração ou até o respeito, mesmo daqueles seres julgados tão merecedores da maior honra da vida: que é ter alguém que despido de toda intenção secundária, se importe e acredite em você. São nestas doloridas horas que aprendemos que nem sempre recebemos o que ofertamos.

Pois é assim, em meio a toda fúria e efusão dos mais desiludidos pensamentos sobre o ser humano, lá vem ele, sinalizando a paz, e fazendo o prenúncio de um novo recomeço : o perdão. Cabisbaixo e cheio de pressa, o perdão começa seus questionamentos. Às vezes nos faz indagar se vale a pena anular todos os bons momentos por uma falta despretensiosa e infeliz. Outras, se dizem por si mesmos e juram de pé de junto que nunca mais vai acontecer. Há ainda quando torturam a si próprios no intuito de nos provarem que verdadeiramente se arrependeram ou quando ressaltam a sua agonia para demostrarem que se importam. Sem contar as vezes que não questionam, não indagam, afirmam.E sempre em suas assertativas terminam dizendo: afinal somos humanos. Mas existe também aquele que conhece muito bem seus direitos divinamente concedidos e logo recorre à tão famosa citação cristã: "...pois então, que atire a primeira pedra..." E então, quando todos os argumentos se vão, o mesmo perdão outrora triste e envergonhado , perde a razão e se transforma na arrogância incutida na popular frase: Fiz o que pude, ninguém é perfeito. Que se dane!

Empate. O ferido e o causador da ferida sentem-se igualmente ludibriados. O primeiro porque já não é a primeira, mas talvez a segunda ou terceira vez que foi desiludido e teve suas mais certas convicções dilaceradas e registradas nas páginas do livro mais precioso que cada ser carrega consigo: a sua própria vida. O segundo, porque embora regado do mais honesto arrependimento, ainda que não tenha como prová-lo, é ignorado. A verdade? Ambos cometem equívocos em suas justificativas.

O ferido erra quando afirma que quem errou foi o outro.Porque não foi. Quem errou foi ele mesmo, sua culpa reside no fato de ter atribuído demasiado valor e estima à alguém que não é merecedor de tal fortuna, e muito menos capaz de sustentar a coerência entre suas palavras e ações, alguém que se diz irmão e nunca ofereceu ajuda , alguém que se diz amigo para todas horas e virou as costas quando mais se precisou, alguém que se diz amor eterno, mas só o é enquanto é conveniente e fácil manter. Se fosse fácil cultivar família, amigos e amores, aqueles que o conseguem não se distinguiriam entre os demais.

O causador da ferida erra porque não entende que perdão não é obrigação, nem muito menos deve ser confundido com tolerância e permissão para o erro. Perdão exige tempo. Exige esforço.

No fim, por mais que se perdoe ou que se seja perdoado, as cicatrizes ficam, algumas mais finas e discretas do que outras, mas ficam como lembretes em nossa memória de que não importa quão justo ou bom você seja, um dia você vai ser ferido assim como também, vai ferir.

Fechei o cartão e observei novamente o desenho da rosa e do pé. Pensei que por pior que seja a dor de uma mágoa, por maior que seja o tamanho da ferida, ainda assim, nada é tão pior e angustiante do que o perdão que nós devemos a nós mesmos.Perdoar a si mesmo é muito mais difícil e complexo do que ser perdoado ou perdoar outro alguém. Como se faz para perdoar quando é você que traiu, mentiu ou virou as costas, ou quando é você que faltou com a palavra?
O que acontece se ao mesmo tempo você é a rosa e o calcanhar que a esmaga?

Recomendo uma visita à um certo pintor e escritor de um chamativo cartão;
porque disto, só os loucos sabem.















Tainá Lima













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